A presidenta Dilma Rousseff cobrou da comunidade internacional mais rigor na fiscalização sobre algumas nações que detenham “privilégios” e armas nucleares para fins não pacíficos. Ela se referiu, nesta quinta-feira, à existência de arsenais atômicos em alguns países. Sem citar nomes, advertiu que eles são uma ameaça ao mundo. Dilma sugeriu que cada governo também adote medidas efetivas de segurança, eliminando as armas nucleares do planeta, sem concessões, e que adotem esforços conjuntos para combater o terrorismo.
– O Brasil deixou claro que um mundo no qual as armas nucleares sejam aceitas será sempre um mundo inseguro. O Brasil compartilha da preocupação mundial com a segurança nuclear. Precisamos, sim, avançar na segurança nuclear militar. Redobremos nossos esforços em prol do desarmamento geral – destacou Dilma ao discursar na Reunião de Alto Nível de Segurança Nuclear durante a 66ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York.
A presidenta alertou que a presença de arsenais nucleares é um risco permanente para a humanidade.
– É imperativo ter no horizonte a eliminação completa e irreversível das armas nucleares. A ONU deve preocupar-se com isso. Estudos apontam a deteriorização do estado de conservação e de manuseio desse material, sem falar da ameaça permanente que essas armas de destruição em massa apresentam para a humanidade – acrescentou.
Dilma disse ainda que há vários fatores de riscos que devem ser observados pela comunidade internacional.
– Cortes orçamentários exacerbados pela crise econômica do passado (a de 2008 e 2009), adiamento de programas de manutenção e modernização de ogivas, além das perdas de pessoal qualificado são fatores de alto risco – disse.
Para a presidenta, é fundamental que cada país desenvolva um programa próprio que preserve e garanta a segurança das usinas nucleares.
– Cada Estado deve aplicar também seus programas de segurança em um regime de maior transparência – disse ela, lembrando que tais ações aumentam a “confiança sobre os fins pacíficos” do uso da energia nuclear.
A presidenta lembrou que no Brasil há um compromisso de uso seguro e para fins pacíficos da energia nuclear. Decisão que é referendada na Constituição de 1988. Dilma destacou ainda que, no país, 82% da matriz energética são renováveis e que há duas usinas nucleares – Angra 1 e Angra 2 – em funcionamento e uma terceira em construção – Angra 3. Todas no estado do Rio de Janeiro.
– O uso seguro e pacífico é irreversível [para o Brasil] e está na nossa Constituição – ressaltou.
Ela disse ainda que os países da América Latina e do Caribe firmaram um acordo que proíbe o uso não pacífico de armas nucleares.
– Nós somos uma das maiores áreas do mundo livres de armas nucleares – disse ela, sem esconder o orgulho.
A presidenta disse que o Brasil adota todos os padrões fixados pela Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) e assinou 13 acordos internacionais de combate ao terrorismo. Dilma acrescentou ainda que, depois dos acidentes radioativos na Usina de Fukushima Daiichi, no Nordeste do Japão, ela recomendou estudos específicos de avaliação de riscos no Brasil.
Os acidentes nucleares no Japão acenderam uma luz de alerta no mundo, pois os vazamentos e explosões na usina foram provocados pelo terremoto seguido por tsunami, em 11 de março deste ano. Em decorrência dos acidentes, cidades inteiras foram esvaziadas e alimentos produzidos na região, proibidos para comercialização e venda. Até hoje, o Japão tenta retomar a normalidade.
Como fez na véspera, a presidenta reiterou a defesa pela reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas – formado por 15 membros, dos quais apenas cinco são fixos – e que tem relação direta com a Agência Internacional de Energia Atômica.
– Precisamos avançar na reforma do Conselho de Segurança – disse ela.
Leia a íntegra do discurso:
Senhor presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, Nassir Abdulaziz Al-Nasser,
Senhor secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
Senhoras e senhores chefes de Estado e de Governo,
Senhores ministros,
Senhoras e senhores,
Congratulo-me com o Secretário-Geral das Nações Unidas pela convocação desta reunião.
O Brasil acompanhou, com pesar, os eventos de março passado em Fukushima. Temos laços profundos de amizade com o povo japonês e abrigamos a maior comunidade de nipodescendentes no exterior.
O acidente de Fukushima reforçou a percepção de que não podemos ser complacentes em matéria de segurança nuclear. Em recente reunião da Agência Internacional de Energia Atômica, debatemos o reforço da segurança nuclear no marco dos acordos e das organizações internacionais.
Sabemos que para muitas nações a energia nuclear continuará a ser a alternativa para atender suas necessidades energéticas. Por isso, é decisiva a ação internacional da Agência Atômica, a fim de supervisionar e fornecer parâmetros que evidenciem quais são as condições de segurança mais adequadas.
Cada Estado nacional deve, também, aplicar em seus programas nucleares os padrões mais elevados de segurança, um regime de maior transparência e de intercâmbio de conhecimento aumenta a confiança no uso da energia nuclear para fins pacíficos.
O compromisso do Brasil com o uso pacífico e seguro da energia nuclear é irreversível e está expresso em nossa Constituição Federal.
Senhor Secretário-Geral,
A segurança nuclear é tema abrangente e complexo. Sabemos que o mandato da Agência Atômica limita-se ao uso da energia nuclear para fins pacíficos. Todo estoque de material nuclear voltado para uso militar escapa, de fato, dos mecanismos multilaterais de fiscalização, controle e salvaguardas. Mas o desarmamento nuclear é fundamental para a segurança, pilar do Tratado de Não Proliferação, cuja observância as potências nucleares devem ao mundo.
O programa Megatons por [para] Megawatts, da Associação Mundial Nuclear, mostra que o urânio altamente enriquecido nos arsenais das potências nucleares alcança 2.000 toneladas, equivalente a 12 anos de toda extração mundial do minério. A segurança desse acervo militar nuclear merece tanta consideração quanto a dos materiais utilizados para fins pacíficos. Seria, sem dúvida, necessário, para fins de segurança, fiscalizar ambos. É imperativo ter no horizonte previsível a eliminação completa e irreversível das armas nucleares. A ONU deve preocupar-se com isso.
Estudos apontam a deterioração no estado de conservação e de manuseio desse material, sem falar da ameaça permanente que essas armas de destruição em massa apresentam para a Humanidade. Cortes orçamentários exacerbados pela crise econômica do passado, adiamento de programas de manutenção e modernização de ogivas, perda de pessoal qualificado são fatores de alto risco.
O Brasil deixou claro que um mundo no qual as armas nucleares são aceitas será sempre um mundo inseguro. A posse desses arsenais por apenas algumas nações cria, para elas, direitos exclusivos. É resquício de concepção assimétrica do mundo, formada no pós-guerra, que já deveríamos ter relegado ao passado.
Na América Latina e no Caribe, pelo Tratado de Tlatelolco, é proibido o uso não pacífico da energia nuclear. Somos, portanto, uma das maiores áreas do mundo livres de armas nucleares e, por isso, modelo para a paz e a segurança mundiais.
No meu país, temos reduzida presença de centrais nucleares. Oitenta e dois por cento da nossa matriz elétrica é renovável, e temos apenas em torno de 2% de geração de energia fornecida por duas centrais, tendo uma terceira em construção. Utilizamos o átomo também para fins médicos, agrícolas, industriais e de pesquisa.
Nossa segurança nuclear é marcada por uma obra de grande dimensão, uma obra de diplomacia regional única: a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade de Controle de Materiais Nucleares que, este ano, completa 20 anos.
O Brasil adota os padrões de segurança da AIEA. Possuímos legislação eficaz e adequada. Somos parte em todas as convenções da Agência sobre o assunto, e em 13 acordos multilaterais e regionais sobre combate ao terrorismo. Depois de Fukushima, determinei estudos adicionais nas instalações brasileiras para identificar fatores excepcionais de risco, de acordo com as orientações da AIEA.
Senhor Secretário,
O Brasil compartilha a preocupação internacional com a segurança nuclear e se associa plenamente às suas iniciativas a respeito.
Precisamos, sim, aposentar os arsenais nucleares. Temos, sim, de avançar na reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ele tem sido o baluarte da lógica do privilégio nuclear, por mais de 65 anos, e legitima o acúmulo de material físsil nas potências nuclearmente armadas.
Aumentemos a segurança de usinas. Redobremos nossos esforços em prol do desarmamento geral e completo das armas nucleares sob controle internacional estrito e efetivo.
Muito obrigada, senhor Presidente.
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