Os próximos dias 4 e 5 de outubro (terça e quarta-feira) marcarão a estréia da Justiça do Trabalho em audiências públicas. O Tribunal Superior do Trabalho vai debater a terceirização de mão de obra. O tema não foi escolhido por acaso. Fenômeno típico das relações de trabalho contemporâneas, a contratação de trabalhadores por empresa interposta tem uma série de implicações que ainda não estão devidamente regulamentadas e não são objeto de lei. O tratamento do tema pela Justiça do Trabalho, portanto, é uma grande construção jurisprudencial a partir de uma pequena base legal.
Hoje há grandes discussões sobre a atuação das empresas terceirizadas, principalmente no que tange a relação de trabalho dos seus empregados para com ela mesma e para com o tomador de serviços. Há quem defenda que o tomador deve responder subsidiariamente e/ou solidariamente pelos créditos trabalhistas devidos ao empregado da prestadora, e há que acredite que não.
Autoridades argumentam que a prática da terceirização tem precarizado as condições de trabalho de algumas categorias de trabalhadores; representantes dos prestadores de serviço argumentam que não existe nenhum estudo que aponte nesse sentido. Diante destes e de tantos outros dilemas, o TST resolveu promover a audiência para tentar encontrar soluções para estes problemas.
Ordenamento Jurídico
A primeira regulamentação da matéria só ocorreria em 1974, com a edição da Lei 6.019/1974, que dispõe sobre o trabalho temporário em empresas urbanas. Nove anos depois, a Lei 7.102/1983, posteriormente alterada pela Lei 8.863/1994, regulamentaria a contratação de serviços de segurança bancária e vigilância .
Outras modalidades de contratação que podem ser enquadradas no conceito de terceirização são tratadas na Lei 11.788/2008 (estagiários), Lei 8.630/1993, ou Lei dos Portos (portuários avulsos), Lei 5.889/1973(trabalhadores rurais) e Lei 8.897/1995 (concessão de serviços públicos).
Atualmente, há pelo menos três projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que se propõem a regulamentar as relações de trabalho no ramo de prestação de serviços a terceiros: o PL 4.302/1998, de autoria do Poder Executivo; o PL 43.330/2004, do deputado Sandro Mabel (PL/GO); e o PL 1.621/2007, do deputado Vicentinho (PT/SP). Vicentinho e Mabel estarão na audiência pública, no tópico destinado à discussão sobre o marco regulatório na terceirização, previsto para a tarde de terça-feira (5/9).
Na prática, os litígios decorrentes das situações de terceirização, bem como as definições sobre sua licitude ou ilicitude, estão normatizados na Súmula 331 do TST. Editada em 1993, a Súmula 331 já passou por duas revisões, em setembro de 2000 e em maio de 2011 – a última delas para adequá-la ao entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a responsabilidade da administração pública nos casos de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador.
A súmula considera como lícita a subcontratação de serviços em quatro grandes grupos: o trabalho temporário, as atividades de vigilância e de conservação e limpeza e os “serviços especializados ligados à atividade meio do tomador”. Os três primeiros são regidos por legislação própria. O último, entretanto, é objeto de constantes controvérsias – e um dos objetivos da audiência pública é trazer subsídios que ajudem a superar a dificuldade de distinguir o que é atividade meio e o que é atividade fim, diante da complexidade e da multiplicidade de tarefas realizadas em determinados setores e da legislação que as rege. É o caso, principalmente, dos setores de telecomunicações e energia elétrica. Nos dois casos, o ponto nevrálgico se encontra na legislação específica.
Defesa
Representantes dos dois lados, além de estudiosos do tema, terão a oportunidade de expor seus pontos de vista durante a audiência pública. O TST selecionou, entre 221 pedidos de inscrição, 49 expositores, que terão 15 minutos cada para tratar da matéria.
O diretor jurídico da Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse), Percival Maricato, afirma que muito se critica as empresas prestadoras de serviços em virtude do alto número de processos na Justiça do Trabalho, mas que este fenômeno se dá, em grande parte, por culpa do governo. Segundo ele, a maioria destes processos é referente a empresas que foram contratadas pela modalidade de licitação pregão que exigem o menor preço. “Na maioria das vezes, se contrata uma empresa que oferece um preço impraticável. Está nítido que ela não terá condições de manter aquele preço mantendo a qualidade do produto e boa remuneração dos funcionários. Nesse tipo de concorrência empresas idôneas não concorrem, só aventureiros e desonestos acabam se habilitando”, diz Maricato.
Comparando a segurança jurídica dos direitos trabalhistas dos prestadores de serviços com os de outras áreas, Percival Maricato disse que, quanto às empresas que fecham as portas e não pagam os trabalhadores, é preciso observar que isso ocorre em qualquer atividade, inclusive na indústria e comércio. "Nesse caso, trabalhadores terceirizados estão em posição melhor que os demais porque têm dupla proteção, já que em casos de reclamações trabalhistas as empresas tomadoras responderão subsidiária ou solidariamente. As prestadoras, além das fiscalizações de rotina, também são fiscalizadas pelas tomadoras no cumprimento de obrigações."
O representante da Cebrasse, que irá ao TST defender o ponto de vista dos prestadores, afirma que também não há qualquer estudo ou pesquisa comprovando que a média remuneratória dos terceirizados é menor que as dos trabalhadores que têm empregos diretos nas tomadoras. "Pode-se encontrar pequenas diferenças em uma ou outra empresa, mas jamais generalizar."
Acusação
Para o chefe da Coordenadoria Nacional de Combate a Fraudes nas Relações de Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, a precarização do trabalho se assenta em outros motivos. Para ele, a busca incessante pelo aumento dos lucros é o principal motivo que levam os empresários do setor a remunerar mal os funcionários. “Em prol do lucro não se compromete apenas a remuneração, mas também a qualificação e os encargos trabalhistas”, afirmou o coordenador.
O presidente da Associação Nacional da Justiça do Trabalho (Anamatra), Renato Henry Sant'Anna, repudia os argumentos apresentados pelo presidente da Cebrasse em defesa das prestadoras de serviços que, segundo ele, adotam a filosofia de "antes um mau trabalho do que nada". O presidente ressalta que no Brasil os salários e os custos para manter um funcionário ainda são relativamente baixos, portanto, não há justificativa para se praticar remuneração menor do que aquela paga pelo mercado. Além disso, afirma que a legislação brasileira define alguns direitos como básicos, não devendo estes serem suprimidos de nenhum trabalhador, independente da área que atue. "A terceirização é contrária a valorização do trabalhador", disse Sant'Anna que finaliza: "Defendemos o fim da terceirização."
Busca pela solução
Percival Maricato e Renato Henry Sant'Anna participarão das audiências que, ao todo, ouvirá 49 pessoas entre representantes das concessionárias, dos sindicatos patronais e das entidades representativas das categorias profissionais, especialistas em telecomunicações e distribuição de energia elétrica. O DIEESE também estará presente, na discussão sobre terceirização em geral. Outras áreas em que a terceirização mobiliza grande número de trabalhadores estão contempladas em blocos próprios da programação da audiência: setor bancário e financeiro, indústria e serviços.
Confira aqui a relação completa dos participantes por tema, com os horários das exposições. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST
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